sexta-feira, 19 de junho de 2009

Alterações Climáticas: a visão de José J.Delgado Domingos



Fonte de imagem: Quercus 
De acordo com os principais autores do IPCC, não há nada que possamos fazer para reduzir os efeitos das emissões antropogénicas nos próximos 20 ou 30 anos 69 (porque tais efeitos resultarão dos GEE que já se encontram na atmosfera) pelo que o mais urgente é a adaptação às alterações climáticas. Tal não significa descurar a emissão de GEE, mas sim colocar essa redução no contexto das alterações provocadas por um conjunto alargado de actividades humanas que afectam o clima, nomeadamente à escala regional e local, tanto directamente pelas alterações do uso do solo, como indirectamente através dos efeitos no ecossistema. É aí que devem concentrar-se os sempre escassos recursos disponíveis O contrário seria atacar sintomas sem cuidar das causas 70. E as causas são o uso. irracional e desregrado de energia, em particular dos combustíveis fósseis, e um ordenamento do território que ignora princípios básicos da Ecologia, das Ciências Físicas e das Ciências da Saúde. Esta ignorância paga-se com consumos evitáveis de energia e de cuidados médicos. Tornar prioritário o combate às emissões de CO2 , invocando catástrofes climáticas sem fundamento científico convincente, é esquecer o contexto mais global. Uma das mais graves consequências deste reducionismo é a promoção de soluções altamente centralizadoras e perversas, de que são exemplo a captura e sequestro do carbono (CCS) 71 e a energia nuclear, qualquer delas defendida em nome das gerações vindouras mas às quais apenas poderia vir a deixar ameaças sob a forma de resíduos 72. Actualmente, nenhuma das bases de dados de referência mostra aumento global da temperatura terrestre desde 1998, ou da camada superior dos oceanos 73. Tal não significa que podemos estar tranquilos, mas sim que é urgente combater as miragens tecnológicas e os desvios perversos que originam, de modo a concentrar esforços e recursos nas tarefas urgentes que a Ciência e a racionalidade económica nos apontam e que são: a) Uma politica energética centrada nos recursos naturais renováveis e na eficiência energética, encarada como estruturante do ordenamento do território e em particular do planeamento urbano 74. b) Uma adaptação à já bem conhecida variabilidade climática, que todos os anos se manifesta sob a forma de cheias e tempestades, provocando mortos e biliões de euros em prejuízos materiais 75. Tendo em conta que (segundo os autores principais do próprio IPCC) não há nada que possamos fazer para reduzir os efeitos das emissões antropogénicas nos próximos 20 ou 30 anos, impõe-se concluir que de nada valerá o custo social e económico desse esforço de redução motivado pelos seus presumidos efeitos a mais de 50 anos de distancia se o mundo que até lá construirmos não for mais justo e habitável à escala global do que hoje o conhecemos. É por isso que se impõe: Dar prioridade aos investimentos que são simultaneamente recomendados pela política energética e pelo combate à degradação do ambiente, e prevenir as consequências da variabilidade climática. Ou seja, enfrentar desde já as certezas sem descurar a eventualidade das incertezas climáticas se virem a manifestar.[Ler todo o artigo, em pdf] 
69 WMO, 2008, Future Climate Change Research and Observations: GCOS, WCRP and IGBP Learning from the IPCC Fourth Assessment Report, Workshop and Survey Report, GCOS-117, WCRP-127, IGBP Report No. 58, World Meteorological Organization, (WMO/TD No. 1418), January 2008, Geneva, 68pp , p.7 
70 Os exemplos mais flagrantes desta atitude são a captura e sequestro do carbono (CCS) e a promoção da energia nuclear. 
71 A queima de carvão é uma das fontes mais importantes de gravíssimas emissões de mercúrio e outros metais pesados, de poeiras e ainda causadora das chuvas ácidas entre muitos outros efeitos nocivos. Todavia, o CCS apenas se preocupa com o CO2 ( que não é um poluente), consumindo de 15 a 40% da energia produzida só para o separar e liquefazer. 
72 O CCS (mesmo se fosse solução economicamente viável), exigiria que os biliões de toneladas que ficariam armazenados nunca se libertassem para a atmosfera nas próximas centenas de anos. 
73 Ver Pielke Sr., R.A., 2008: A broader view of the role of humans in the climate system. Physics Today, 61, Vol. 11,54-55., disponivel em http://climatesci.org/ . 
74 Tal politica conduzirá, automaticamente, a uma redução decisiva das emissões de CO2 acompanhada de substancial melhoria da qualidade do ar, para além de contribuir significativamente para a criação de emprego qualificado e maior independência energética. 
75 Tal adaptação traduz-se, em inúmeros casos, na mera racionalidade de não construir em leitos de cheia, em arribas e zonas instáveis, tanto mais que sabemos da sua enorme vulnerabilidade muito antes de se falar em alterações climáticas.
Reúnem-se neste sítio textos pedagógicos e de intervenção pública do Professor José Delgado Domingos

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