domingo, 24 de outubro de 2010

Portugal XXI: PlanIT Valley vai acontecer e não existe um plano B



Steve Lewis, da Living PlanIT.

Steve Lewis fez escala no Porto e, entre voos, deu uma entrevista exclusiva ao CH

2010-10-20
Por Marlene Moura (texto) e Luísa Marinho (fotos)
O «Ciência Hoje» (CH) encontrou Steve Lewis, no início da semana, durante uma escala no Aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto, e antes de seguir para Londres. No entanto, aterra hoje novamente no nosso país e segue para Lisboa, onde participará no «4º Forum da Responsabilidade Social das Organizações e Sustentabilidade». Enquanto falava connosco, tomava o seu pequeno-almoço/almoço à hora do lanche, mas já está habituado a comer tarde e a que a comida esteja fria.

Descrito como um empreendedor capitalista, o presidente da empresa Living PlanIT, que vai gerir a PlanIT Valley – nova cidade inteligente, que ocupará uma área de 17 quilómetros quadrados em Paredes e que pretende ser um "laboratório ‘vivo’ à escala urbana", no qual serão implementadas, de forma sustentável, "tecnologias que melhoram a qualidade de vida, mas com técnicas para reduzir o impacto da infra-estrutura no ambiente" –, deu um exclusivo ao CH, onde avançou alguns dados sobre o projecto.

Ainda não tinham sido revelados grandes detalhes sobre esta urbe inteligente, uma espécie de Silicon Valley – região situada a sul de São Francisco e sede de muitas empresas na área da electrónica. Os responsáveis da Living PlanIT, conscientes da resposta, não pediram qualquer ajuda ao Estado português. O investimento será na ordem dos “muitos mil milhões de euros”.

Lewis já morou na Invicta durante dois anos e meio e foi quando percebeu que queria mais no nosso país. Esteve durante algum tempo a viver num hotel com o resto da sua equipa e, posteriormente, decidiu adquirir uma quinta, precisamente nos arredores de Paredes – cidade que acolherá em breve esta outra cidade – PlanITValley – em parceria com a Cisco Systems. Apesar de querer mitigar os danos no meio ambiente é fumador e diz ser um vício que adquiriu em terras lusas.



Entrevista

Ciência Hoje: O que é uma cidade inteligente e o que  vai ser PlanIT Valley, no fundo?
Steve Lewis: Bem, primeiro gostaria de explicar como é que chegamos a este ponto. Não começamos a pensar numa cidade, apenas em tentar resolver os problemas existentes, ou seja, vivemos com um grande dilema a nível mundial. As pessoas deslocam-se massivamente para locais onde possam ter qualidade de vida, para centros urbanos e a uma escala nunca vista antes. Mudam-se para lugares onde haja energia preparada para os servir, um sistema de saúde, para onde possam receber educação própria e trabalhar. E as cidades não estão devidamente equipadas para esta massa. Existem várias questões relacionadas com a energia e há um enorme problema com a água. Como é que mantemos e teremos água potável? E o que fazemos com o lixo? Precisamos de isso tudo e de ser eficientes, de viver de forma sustentável. Vivemos diariamente com esta pressão ambiental.

As actuais técnicas de construção são terrivelmente ineficazes para solver todos estes problemas. Começamos a pensar como é que poderíamos aplicar tecnologias neste campo, assim como outros materiais e soluções: instrumentos de uso aeroespacial, integrados em submarinos, etc. Nos últimos 30 anos, apareceram produtos cada vez mais eficientes e amigos do ambiente. Decidimos não olhar para o aspecto, mas sim para a vida dos materiais, a forma como se mantêm e operam. Desenvolvemos tecnologias que desenham e simulem os materiais de construção e que sejam criadas de forma mais rápida, mais baratas. Isso é tudo muito interessante, mas depois percebemos que o edifício teria de viver durante 50 a cem anos. Portanto, chegamos à conclusão que o custo do empreendimento seria muito maior em termos ambientais.

Como criar tecnologias para minimizar o impacto ambiental, de forma a produzir a sua própria energia e reaproveitá-la? É aqui que surgimos. Se pensarmos num iPhone como um prédio, tem características físicas, poder computacional, um sistema operativo, uma bateria que conserva energia e, para além disso, posso fazer muitas outras coisas, é multifuncional. Por um lado, queremos edifícios mais eficientes, dentro da perspectiva da água e energia, mas ao mesmo tempo, que possam servir as pessoas e que interajam com elas. Seria muito mais fácil e diferente se a mesma tecnologia pudesse fazer isso tudo…

C.H.: Estamos a falar de demótica?
S.L.: De certa forma sim, mas não [risos]. A tecnologia está fundida nos próprios materiais de construção e não é aplicada depois. Está nas paredes, na tinta, por exemplo. Usamos técnicas completamente sustentáveis que interagem com o prédio. O custo do edifício não está nos materiais – aqui só está 50 por cento –, mas sim na sua longevidade e na forma como este interage com o meio e as pessoas. Uma tecnologia que aproveita tudo aquilo que pode, tal como cimento que absorve carbono e que dispõe de sensores, que analisa aquilo não satisfaz, de forma inteligente e com a capacidade de um computador.

C.H.: No entanto, não se trata apenas de materiais de construção, mas de uma cidade real, ‘viva’ e tecnológica. O que representa isso para a sociedade, esquecendo agora, em parte, o meio ambiente?
S.L.: Decidimos desenvolver alguns valores. Se olharmos para o ‘mundo tech’, tal como a Microsoft, que constrói janelas e dentro destas criamos diferentes aplicações, ligadas a outras indústrias, etc. Criamos uma plataforma semelhante, com centenas de outros parceiros e chegamos à conclusão que nos tornávamos mais eficientes, como grupo, caso criássemos isso tudo como um lugar real, físico. Pensamos num enorme parque científico, mas não é realmente um sítio onde as pessoas vivam em família.

Posto isto, tinha de ter outras características, como infra-estruturas próprias dirigidas para a educação, a saúde, com capacidade para entreter e trabalhar. Tem de ser um espaço que redesenhe uma cidade à sua volta para abarcar pelo menos 220 mil pessoas, em média – o que é muito para um espaço urbano em termos portugueses (não o seria no caso da China, por exemplo).

A arquitectura desta cidade será como uma ‘cloud computing network’, com edifícios que integrem uma base de dados e ligados a tecnologias de escala urbana. Produziremos todo o tipo de energia, com sistemas que funcionem a nível residencial. A PlanIT Valley será a demonstração de um mercado tecnológico, um grande centro de investigação, um excelente instrumento de marketing que mostrará formas inovadoras de fazer saúde, comércio, educação, etc. Que recupera tudo. Aqui nada se perde, tudo se transforma. Por exemplo, na Índia, muitas aldeias poluem a suas águas por não saberem o que fazer com o lixo. Não têm recursos ou uma tecnologia suficientemente barata que converta os despojos em energia ou outros meios. Aqui, recupera-se tudo e melhora em muito a qualidade de vida das populações.

C.H: Quando fala de um laboratório 'vivo', refere-se a que tipo de actividade?
S.L.Toda a cidade PlanIT Valley, em geral, será um laboratório ‘vivo’, porque iremos monitorizar tudo: desde a actividade económica, social, a educação das crianças, a saúde, a cultura, o meio ambiente. Será um laboratório à escala urbana, que dará o ‘feedback’ daquilo que se passa no seu interior, sem interferir com a privacidade de ninguém, obviamente.

C.H.: Quando o projecto foi apresentado, levantou muitas dúvidas no nosso país. Já foram superadas?
S.L.: Um colega meu, da Microsoft, disse-me uma vez que a visão é uma comodidade assustadora para o mundo. É verdade! As grandes ideias assustam. Isso verifica-se especialmente em Portugal. Nunca ninguém levantou questões nos Estados Unidos. Quando chegámos, perguntamo-nos: "Por quê Portugal e por que merece este país isto tudo?" Eu sei que é cultural e cá as pessoas são bastante desconfiadas. Houve imensa gente que nos disse que isto nunca iria acontecer e que, dali por pouco tempo, iríamos desistir. Estamos aqui agora e vai acontecer! Percebi que a maioria das pessoas daqui nos apoiava e que os portugueses eram fantásticos quando se trata de trabalhar, comprometem-se com os projectos que aceitam e de forma muito sincera.

A verdade é que começou como um sonho. Quando vejo todo o esforço, todos os dias da semana, inclusivamente feriados, 18 horas por dia, sem remuneração, percebo que não se trata de dinheiro. E apesar de poder parecer que estou ‘a puxar a brasa a minha sardinha’ – e é evidente que desejo que se torne comercialmente um sucesso –, mas permite-nos sonhar que podemos fazer qualquer coisa com sentido no mundo, que o mudamos de alguma forma e resolvemos os problemas que incomodam a humanidade. As pessoas têm de morar nalgum sítio, e a sua vivência tem impacto no meio ambiente, mas podem viver num local que minimize a sua pegada ecológica. Os recursos são cada vez mais escassos e é possível que as cidades existentes se tornem mais eficientes.

Olhando para este aeroporto, onde as pessoas chegam e partem, o espaço não que faz mais nada por elas, para além de servir uma boa meia de leite, por exemplo [diz, levantando a chávena]. Os edifícios podem contribuir muito. De facto, uma única companhia não consegue fazer isto tudo. Trabalhamos com empresas de construção, de controlo de redes, de electrónica, universidades, institutos de investigação, de energia, entre muitos outros.

C.H.: Somos bastante conservadores em Portugal e neste momento de crise ainda há quem se 'tranque'. Acha que consegue mudar a mentalidade daqueles que ainda não digeriram a criação desta cidade tecnológica?
S.L.: É um desafio. A crise afecta um país e todos se tornam mais conservadores, mas não podemos esperar que o governo resolva todos os nossos problemas. As pessoas gastam menos, trabalham menos, criam menos negócios, não inovam e param o investimento. Isso também afecta a economia. É uma excelente oportunidade e ser empreendedor significa ter coragem. É curioso, porque, em Portugal, tenho conhecido os melhores engenheiros a nível mundial. A equipa é jovem, inteligente, humilde, mas com capacidades de liderança. Sei que vamos provocar muita gente, mas também percebemos que temos quem nos apoie. Muitas das empresas que arriscaram tornaram-se líderes mundiais. No entanto, percebi que a aspiração dos portugueses é muito sincera, que se preocupam com o meio ambiente e têm grande ética no trabalho.

C.H.: Qual é o maior desafio neste momento?
S.L.: O dia não tem horas suficientes. É um projecto muito complexo. Há pelo menos 40 lugares que tentam replicar aquilo que é feito aqui e a demanda torna-se cada vez maior. É difícil encontrar as pessoas certas que queiram fazer parte desta iniciativa, com sentido empreendedor, sem medo de sonhar, que trabalhem muito, sejam criativas, multiculturais. Felizmente, os portugueses têm estas características.

C.H.: Estima-se que 12 mil empresas integrem o projecto. Que tipo de empresas farão parte de PlanIT Valley e que características é preciso ter para poder pertencer a esta cidade inteligente?
S.L.:Sim. Entre o próximo ano e 2015, teremos pelo menos 12 mil empresas. Procuramos companhias que tenham a cultura certa, com uma mente aberta, que sejam colaboradoras e que gostem de trabalhar em parceria – o que não significa que tenham de desvendar os seus segredos –, mas que se empenhem para singrar no mercado internacional e que se preocupem menos com o mercado português. Que procurem investir capital no contexto de tecnologias urbanas. São estes tipos que adoramos. No fundo, qualquer companhia pode integrar PlanIT Valley, desde que se dirijam para a indústria, até um centro infantil, por exemplo. Podemos combinar serviços de economia local e estendê-los para o mercado mundial.

C.H.: Por quê Paredes?
S.L.: Não se pode inserir uma grande cidade dentro de outra (como o Porto). É impossível. O desafio é criar tecnologia para ser exportada para o resto do mundo e não se trata apenas do mercado português. Portugal não é suficientemente grande para abarcar uma produção desta dimensão. É apenas um local fantástico para que isto possa acontecer e desenvolver investigação na área das tecnologias, mas que evidentemente também trará muito ao país. A PlanIT Valley terá uma grande área de desenvolvimento, que abarcará 50 hectares de terreno. Durante os próximos 40 anos, queremos desenvolver dez mil cidades do tamanho desta, ou até maiores, pelo mundo, e começar com a mesma base e aproveitar grandes áreas verdes. O espaço é sempre um problema quando falamos de cidades deste género, como ter suficiente capacidade para abarcar o projecto e infra-estruturas que nos sirvam e permitam ir mais além. Um outro grande desafio, quando tratamos uma área de vasto desenvolvimento, é o relacionamento com os poderes locais e nacionais, que geralmente se revelam muito críticos. Não podemos ir depressa e restringem-nos bastante, mas confesso que tivemos muita sorte com o presidente da Câmara Municipal de Paredes, Celso Ferreira, por ter uma mente aberta e ser muito focado no desenvolvimento socioeconómico da comunidade. Apesar de se tratar de um sector industrial tradicionalmente português, relaciona-se bastante bem com o mercado mundial de mobiliário. É uma região bastante desenvolvida a nível de educação, emprego, com grandes valores, entre outros.

Em Abril de 2008, viemos à procura de um novo investimento e passamos algum tempo a estudar Portugal. Já tinha cá estado antes, mas sem esta pretensão. Descobri que o país tinha muito para oferecer; durante alguns meses exploramos um pouco mais e determinámos que conseguiríamos estabelecer excelentes relações de trabalho. Focamo-nos no facto de ser possível criar um centro de investigação e avançar com o projecto. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (Aicep – entidade pública de natureza empresarial) tem sido especialmente competente e prestável.

C.H.: Bem, parece que vamos mesmo ter esta cidade do futuro.
S. L.: A construção começa já no início de 2011 e os primeiros edifícios estarão a funcionar em Setembro, Outubro do próximo ano. Esperamos que o projecto esteja totalmente pronto em 2015. Tenho a certeza de que vai correr bem. Tem de correr! Já agora… Não temos um plano B [risos]!

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