sábado, 30 de julho de 2011

Código de barras da vida acelera identificação das espécies



Nos próximos quatro anos, 10% da biodiversidade brasileira será catalogada com ajuda da técnica conhecida como DNA barcoding e assim impedir o tráfego criminoso de animais exóticos


Para o Ibama, a cena não tem nada de inusitada. Uma pessoa é detida em flagrante no aeroporto com ovos presos ao corpo. Sabe-se que o tráfico de animais silvestres é considerado crime ambiental, mas não se sabe ao certo que espécie foi apreendida. Se a ave estiver na lista dos animais em risco de extinção, a punição pode ser mais dura. Mas como saber de que espécies são os ovos? A tarefa, às vezes árdua até para taxonomistas, deve receber uma mãozinha extra agora que brasileiros se uniram ao consórcio internacional Barcode of Life (iBol). Cerca de 10% da biodiversidade brasileira será catalogada em quatro anos com a ajuda de uma técnica conhecida como DNA barcoding, o ‘código de barras da vida’.

A ideia é a seguinte: um trecho da sequência de DNA de cada exemplar brasileiro será usado para produzir o que seria um ‘análogo’ do código de barras utilizado em produtos em geral. “A diferença é que para identificar produtos se utiliza uma sequência de números e nesta técnica se usam sequências de nucleotídeos, que são os bloquinhos que constituem o DNA”, explica Cláudio Oliveira, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp em Botuctatu e coordenador da Rede de Pesquisa de Identificação Molecular da Biodiversidade Brasileira (BR-BoL), criada no final de 2010. A meta é identificar 120.000 exemplares de 24.000 espécies nos próximos anos. “Assim como os códigos de barras são característicos dos produtos, as sequências de DNA são características das espécies."

O primeiro passo da rede brasileira é analisar o material que há tempos está disponível em laboratórios e coleções científicas. Isso, contudo, não impede que exemplares nunca antes catalogados sejam identificados: muitas espécies não se distinguem do ponto de vista morfológico, e apenas análises genéticas podem diferenciá-las. É o caso de uma nova espécie de Tetragonopterus, identificada pela equipe coordenada por Cláudio Oliveira. Trata-se de um peixe encontrado nas águas amazônicas do Rio Jari, na divisa entre os estados do Amapá e Pará. Os resultados obtidos pelo DNA barcoding revelaram uma significativa diferença  entre a nova espécie e as demais do gênero.

Pressa - Existem atualmente cerca de 1,7 milhão de espécies catalogadas no mundo, e estima-se que haja mais 4 milhões ainda desconhecidas. Só no Brasil, acredita-se que haja 600.000 espécies por conhecer (estimativas mais ‘otimistas’ apontam que o número pode chegar a quase 2 milhões). Os cientistas até poderiam se valer de estratégias convencionais da taxonomia para encontrá-las ao logo dos anos, mas há certa urgência em função de ameaças ambientais, do desmatamento às mudanças climáticas. “É muito importante que possamos ter a visão mais ampla possível da nossa biodiversidade antes que impactos irreversíveis levem um grande número de espécies à extinção”, ressalta Oliveira. “E é muito mais fácil conservar o que conhecemos.”

O que é DNA barcoding?

É a identificação genética dos seres vivos segundo determinados padrões. Para tanto, dois aparelhos são utilizados. No chamado termociclador, amostras de DNA são copiadas, a partir de algum tecido do animal, como pele, carne, sangue etc. No sequenciador, é feita a leitura do código genético. É a mesma estratégia do sequenciamento de genoma, a não ser por um detalhe: apenas um fragmento de um único gene presente em todas as espécies é usado para comparações – o gene codificador da proteína Citocromo Oxidase I (COI). Ele é considerado um bom marcador por combinar trechos muito variáveis a outros de grande regularidade. Mas não é o único, nem se presta a todo tipo de espécie. Para plantas, por exemplo, os cientistas costumam usar outros trechos do DNA.

O entomologista José Albertino Rafael, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, acredita que a técnica é um avanço para a taxonomia: “Vamos demorar mais mil anos para catalogar todos os animais se continuarmos no ritmo que estamos”. Para identificar uma nova espécie, é preciso compará-la aos exemplares já identificados. “Conforme o grupo vai ficando maior, fica mais difícil descrever novas espécies, porque é preciso conhecer todas as existentes e catalogadas”, explica. Um banco de códigos de barra pode acelerar as comparações. Mas o cientista Rafael ressalva que isso não exclui a necessidade de caracterizar a espécie morfologicamente.

Escala - A análise de material genética faz tempo é uma ferramenta conhecida dos cientistas. A equipe do geneticista da PUCRS, Eduardo Eizirik, por exemplo, realizava trabalhos de identificação molecular de organismos com técnicas semelhantes há mais de cinco anos. “O que mudou com o barcoding foi a escala. É a ideia de padronizar os processos de identificação em nível global para toda a biodiversidade e prezar pelo zelo no processamento de vários passos necessários para criar uma base de dados completa e integrada”, explica o pesquisador, que passou a coordenar a geração de código de barras em mamíferos, aves, répteis e anfíbios.  “Até onde eu sei, nunca houve uma rede de pesquisa no Brasil focada nesse assunto com esta amplitude, então isso já é uma conquista”.

Para além do ambiente acadêmico, uma rede ampla e padronizada de identificação genética pode ter aplicações tanto no combate ao tráfico de animais como no controle de fraudes no comércio de produtos animais. Isso porque o barcoding permite a identificação da espécie a partir de partes dos bichos, como um pedaço de carne, osso ou pelos, sangue etc. Nos Estados Unidos, o código de barras da vida já está sendo usado pela Food and Drug Administration, que regula alimentos e medicamentos, como forma de conter fraudes na importação de produtos animais.
Arte/VEJA

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